Nascida com um buraco no coração, Ayotunde conta a Bella Naijarian sua experiência de viver com Hipertensão Pulmonar
Nada se compara à alegria de saber que você não está sozinho. Muitos nigerianos passam por difíceis desafios de saúde; esses desafios são ainda mais exacerbados pela cultura do silêncio e da vergonha. Falar e compartilhar não serve apenas como catarse para a pessoa que vive com a situação, mas também ajuda alguém que se sente marginalizado, em sua própria experiência.
É por esta razão que Bella Naijarian está feliz em compartilhar a história de como Ayotunde foi diagnosticada com hipertensão pulmonar. Viver com uma doença crônica na Nigéria (dado a péssima situação do setor de saúde neste páis) é muito intenso.
Já ouviu uma gargalhada que deixa o ouvido zumbindo? É exatamente como eu dou gargalhadas sempre que me lembro dos meus dias de lamentação e pranto, naqueles dias em que me deixava afundar na autopiedade. Eu chorava sem parar. As lágrimas nunca silenciaram os soluços, eu sempre fui muito dramática. As lágrimas diziam “eu estou no fim”, “eu não morro”; do tipo que vemos nos filmes, as mulheres das aldeias africanas com amarradas ao peito, chorando, com as mãos na cabeça e o muco escorrendo pelo nariz. Eu sou uma grande rainha do drama, sim, mas eu realmente me senti “no fim” quando soube que iria viver com hipertensão pulmonar pelo resto da minha vida. Eu me senti infeliz e amaldiçoada.
Eu não estaria apenas vivendo com uma doença crônica, mas estaria vivendo com uma doença crônica rara na Nigéria, que, de todos os países, é o país onde levava mais tempo para obter um diagnóstico completo.
Fui diagnosticada com hipertensão pulmonar há cerca de cinco anos, além do problema cardíaco congênito – Defeito do Septo Atrial (ASD) geralmente conhecido como um buraco no coração.O buraco foi detectado alguns meses depois do meu nascimento em Hong Kong. (Meu pai era diplomata.) Nada foi feito em relação ao defeito cardíaco, embora uma cirurgia tenha sido recomendada anos depois no Quênia (moramos lá por cerca de quatro anos).
Meus pais tinham fé e acreditavam que o buraco se fecharia por conta própria à medida que eu crescesse, e embora isso aconteça em alguns casos, infelizmente, o ASD não tratado nos meus leva à hipertensão pulmonar. Ser diagnosticado com uma doença crônica, é avassalador e doloroso.
Cada paciente reage de maneira diferente ao seu diagnóstico. Eu estava em negação depois do meu diagnóstico. Fui diagnosticada em 2013 no Hospital de Ensino do Estado de Lagos (LUTH). Um ecocardiograma foi realizado e percebi que o cardiologista levou mais tempo para realizar o exame. Ele chamou muitos outros especialistas para confirmar e verificar o resultado do exame na tela do computador. Eu estava deitada na sala fria imaginando o que estava acontecendo. Eu não podia esperar para terminar o exame e escapar dos olhares indiscretos dos estudantes de medicina. Após ter feito o exame, fui diagnosticada com hipertensão pulmonar. Eu estava pensando, isso deve ser uma piada, o que é isso?
Eu tenho ASD (defeito do septo atrial). Eu estava vivendo com isso há muito tempo e não sabia que era tão sério. Eu raramente adoecia ou visitava o hospital enquanto crescia. Eu também era fisicamente ativa. Então, mais tarde, aos vinte e poucos anos, percebi que meu nível de energia estava diminuindo significativamente. Eu tinha uma tosse horrível, persistente e não engordava (eu pesava o mesmo que na minha adolescência e, acredite em mim, eu era uma adolescente muito magra). Eu culpei o estresse no início, depois decidi verificar o estado da minha deficiência cardíaca e também descobrir como corrigi-lo, se necessário.Então fiquei completamente surpresa quando recebi um diagnóstico diferente e estranho. Ok, então, hipertensão pulmonar. Qual é a solução? Mas tudo o que ouvi dos cardiologistas foi é um caso especial. Sim, isso foi estabelecido, mas como lidamos com esse caso especial? O que recebi foram mais consultas com mais cardiologistas. Sem respostas. Eu percebi que eles não poderiam lidar com o “caso especial” lá.
Eu encontrei um novo cardiologista. Nós estávamos esperançosos de que a HAP ainda pudesse ser revertida se eu tivesse a cirurgia corretiva para o ASD. Eu tive que passar por um cateterismo cardíaco para identificar se a pressão nos meus pulmões não era muito alta para o fechamento do buraco. Demorou muito tempo: mais de um ano para realizar este procedimento, pois os hospitais na Nigéria não estavam equipados para realizar este procedimento.
Finalmente, em fevereiro de 2016, fiz o cateterismo cardíaco no Tristate Cardiac Center, no Babcock Teaching Hospital, em Shagamu. Após o procedimento, meu cardiologista me informou que a correção seria possível. Minha família e eu estávamos exultantes, e nos preparamos para a cirurgia em maio daquele ano. Infelizmente, o cardiologista e sua equipe nos informaram que não seriam capazes de realizar a cirurgia. Eles disseram que era muito arriscado.
Eu decidi buscar opiniões de outros médicos. Eu tinha ido a muitos hospitais públicos e privados na Nigéria, então a Índia era a opção mais acessível para minha família fora do país. Eu viajei para a Índia em dezembro de 2016. Depois de passar por todo o teste de diagnóstico e cateterismo cardíaco novamente, os cardiologistas deram os mesmos resultados que os da Nigéria. Passei a usar diversos remédios diariamente e terei que usar pelo resto da minha vida para administrar a doença. Disseram-me para evitar o estresse, a alta altitude e também a gravidez.
O ano 2017 foi um dos piores anos. Eu deixei a Índia para a Nigéria em 2017. Eu perdi a esperança e minha vida estava uma bagunça total. Alguns anos atrás, eu estava ansiosa para fazer minha cirurgia corretiva e recuperar minha vida. Então percebi que estava presa a essa doença. A raiva e amargura me dominaram. Eu era implacável e infeliz. Tudo poderia ter sido evitado, pensava, se a cirurgia corretiva tivesse sido realizada como sugerido pelos médicos no Quênia.
Planejar minha vida em torno dessa doença não foi nada fácil. Acostumar-se a tomar remédios diariamente foi uma luta. Minha habilidade de organização estava em zero. Eu estava tão preocupada que não ser capaz de lidar com a pressão que vem com a doença. Minhas habilidades físicas eram limitadas. Atividades diárias como caminhar, varrer, arrumar a cama se tornaram quase impossíveis. Eu estava sempre cansada, sempre sem fôlego. Ficava acordada a noite toda em muitas ocasiões com fortes dores no peito e palpitações. A depressão começou e eu pensava em suicídio com frequência. Eu acreditava que morrer era uma opção melhor do que viver com uma doença progressiva. Minha saúde continuaria se deteriorando e eu poderia precisar de um transplante de coração e pulmão algum dia. Eu chorei. Eu passava dias trancada no meu quarto, sem falar com ninguém.
Depois de tanta lamentação por tanto tempo, que eu sabia que não ajudaria em nada, entendi que tinha que parar com este drama. Eu tive que encontrar um novo propósito para a minha vida. Eu sabia que tinha que encontrar uma maneira de viver a melhor qualidade de vida que pudesse apesar da minha doença crônica. Eu posso não ter controle sobre minha doença, sobre meus sintomas, remédios, eu nem tenho o menor controle sobre o tempo ou o trânsito, mas eu tenho controle e poder sobre como eu reajo às circunstâncias ao meu redor. Então eu parei de pensar em coisas negativas e concentrei-me na beleza e as coisas boas em torno de mim. Eu tenho uma família incrível, amigos maravilhosos e o melhor namorado de todos os tempos. Eu tive que aprender a perdoar, deixar de lado toda a amargura que me corroía. Eu estou aqui agora. O passado se foi e eu preciso me concentrar no futuro. O que está feito está feito. Eu tinha que encontrar paz e aceitar minha doença e viver com ela. Isto é minha vida, é difícil, mas ninguém realmente tem uma vida fácil.
Quando circunstâncias infelizes ocorrem em nossa vida, não devemos permitir que isso nos envolva e controle a nossa existência. Porque não importa o que aconteça, o mundo continua. A terra gira, o sol nasce e se põe. A vida deve continuar, doença crônica ou não.
Eu aprendi a ser feliz e rir apesar da minha doença. É realmente difícil lidar com a HP neste país e muitas vezes eu ainda fico desanimada e pessimista, mas banana frita e Asun (comida típica na Nigéria) sempre aliviam o meu humor.
Quando eu estava na Índia, o apartamento em que eu fiquei por mais de um mês tinha principalmente ocupantes africanos. Houve uma comunhão cristã a que assisti. Este grupo foi formado por pacientes e cuidadores. Eu fui sozinha para a Índia para o meu tratamento; com o aumento do dólar e a escassez na época tornaram caro e impossível para eu ter um cuidador. Embora estivesse sozinha, os outros membros do grupo não me deixaram sentir assim. Éramos de diferentes países, com diferentes culturas e línguas, mas tínhamos algo em comum e entendíamos as lutas de cada um. Nós tínhamos uma plataforma onde podíamos conversar e compartilhar nossas experiências e histórias, e apesar de nossos vários desafios, estávamos lá um para o outro. Depois do cateterismo, eles vieram me visitar no hospital. Eles também estavam lá durante o período mais difícil, depois de receber o prognóstico da equipe cardíaca. Eles me animaram. Um casal maravilhoso do Quênia me levou a um safári. Esse grupo de apoio da irmandade tornou minha estada na Índia mais prazerosa. E estou tão feliz por ter conhecido cada um deles e todas as lembranças maravilhosas criadas. (Agora meus olhos estão marejados).
Eu sabia que queriam criar um grupo de apoio na Índia. A ideia da Comunidade Cardíaca nasceu. Lutar contra uma doença crónica é extremamente difícil, mas pertencer a um grupo de apoio com outras pessoas que entendem e enfrentam desafios semelhantes é muito útil. Uma comunidade onde você pode aprender com as experiências dos outros e compartilhar suas próprias histórias também. Eu sei que na Nigéria nós temos essa mentalidade de sofrer em silêncio e esconder nossas dores, e precisamos aprender que não temos que lutar sozinhos em uma batalha.
Por: Bella Naja
Fonte: Bella Naja
Traduzido por: Solange Lazzarini