Insuficiência cardíaca em mulheres: elas precisam ser cuidadas

Doenças cardiovasculares costumam ser subdiagnosticadas em mulheres. Isso porque os sintomas de falta de ar, cansaço e inchaço muitas vezes…

Doenças cardiovasculares costumam ser subdiagnosticadas em mulheres. Isso porque os sintomas de falta de ar, cansaço e inchaço muitas vezes são atribuídos à depressão, ansiedade ou à menopausa. Apesar da incidência de infarto ser menor em mulheres, quando isso acontece, elas têm mais chances de desenvolver Insuficiência Cardíaca.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças cardiovasculares são responsáveis por um terço das mortes de mulheres no mundo, causando cerca de 23 mil óbitos são registrados por dia. No Brasil, um levantamento da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo aponta que a cada 12 minutos uma mulher morre de infarto no país.

Além disso, um relatório de 2021 da Associação Americana de Cardiologia mostra que a sobrevida média depois do infarto é de 5,5 anos para mulheres, enquanto em homens, a estatística é de 8,2 anos.

Para entender melhor as especificidades da ocorrência de IC em mulheres, nós conversamos com a cardiologista Valquiria Pelisser Campagnucci, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

 

A ocorrência de Insuficiência Cardíaca (IC) em mulheres têm aumentado?

A Insuficiência Cardíaca tem uma incidência muito acentuada de modo geral. As doenças cardiovasculares ainda são responsáveis por aproximadamente 30% das mortalidades. Na mulher essa doença tem algumas particularidades que costumam não ser tratadas de forma diferenciada, uma vez que tudo é tratado de modo geral para ambos os sexos. Talvez nós tenhamos uma percepção de que está aumentando a incidência quando na verdade nós estamos fazendo mais diagnósticos de IC.

A incidência de doenças isquêmicas do coração em mulheres é menor. Entretanto, quando a mulher tem um infarto, ela tem mais chances do que o homem de desenvolver IC. A Hipertensão Arterial Sistêmica é um fator de risco de doença cardiovascular e, quando ocorre na mulher, também existe uma incidência maior de IC. São dados extremamente relevantes quando olhamos essa população feminina, hipertensa, e que eventualmente tem uma doença isquêmica do coração. Essa é uma mulher que tem mais risco de desenvolver Insuficiência Cardíaca.

À medida que nós vamos tendo elementos ou recursos para fazer esses diagnósticos, vamos nos deparando com um número maior de casos. E em uma perspectiva de separar a incidência de IC em homens e mulheres, nós já estamos entendendo que o comportamento da doença na mulher é um pouco diferente do que no homem.

 

Essa diferença no comportamento quer dizer que as demonstrações da doença em mulheres são diferentes?

Os sintomas são semelhantes para ambos os sexos: falta de ar (apneia), cansaço (intolerância aos esforços), inchaço (edema). O que acontece muitas vezes no caso das mulheres é a interpretação desses sintomas. Então se ela tem uma fadiga e um cansaço, nem sempre esses sintomas são atribuídos inicialmente à Insuficiência Cardíaca, principalmente porque a IC tem incidência maior em homens. Depressão e ansiedade às vezes entram como fatores de confusão no diagnóstico da mulher. Muito frequentemente, as mulheres que estão na faixa etária da menopausa atribuem muitos sintomas à menopausa sem uma sequência de investigação diagnóstica mais aprofundada.

 

O que causa a dificuldade de diagnóstico de IC em mulheres? A doença costuma ser negligenciada no acompanhamento médico?

A doença isquêmica do coração, como infarto e angina, é mais subdiagnosticada nas mulheres, já que muitas vezes os sinais são negligenciados. Além disso, a mulher tem uma expectativa de vida maior e na faixa etária mais elevada vamos encontrar uma incidência maior de IC.

Há também a questão dos estudos clínicos que não contemplam as mulheres, que sempre acabam entrando como subgrupos. Em estudos com números muito grandes de participantes, como é comum na cardiologia, a gente vê que a mulher entra como cerca de 20% a 30% dos indivíduos estudados. E a resposta acaba sendo aplicada de uma forma generalizada. Dessa forma, os estudos e ensaios clínicos acabam sendo predominantemente masculinos e as conclusões acabam sendo aplicadas para ambos os sexos de uma forma indiscriminada.

Mas já existem alguns estudos, pequenos, que mostram que as mulheres, por exemplo, respondem melhor a uma classe medicamentosa do que à outra. Hoje já temos conhecimento de que a resposta da mulher aos tratamentos clássicos com os fármacos para IC pode ser diferente do que no caso de homens. Essa discussão é uma grande oportunidade de reforçar que o comportamento da IC na mulher é diferente e precisa ser visto com essa diferença, porque biologicamente e fisiopatologicamente possui particularidades.

 

Para quais sintomas e fatores de risco para doenças cardiovasculares as mulheres devem estar atentas?

Primeiro: se ela tem conhecimento de ser portadora de algum fator de risco, é preciso ter zelo e controle rigorosíssimo desse fator. Por exemplo, a hipertensão arterial, o diabetes e o tabagismo. Se a mulher tem algum antecedente familiar com doenças cardiovasculares, é mais importante ainda esse cuidado. Se tiver conhecimento do próprio histórico familiar de IC ou demais doenças cardíacas, busque acompanhamento médico de maneira precoce. O combate à obesidade e ao sedentarismo também é muito importante.

Essas são as linhas gerais para qualquer paciente, ainda mais para a mulher, uma vez que o comportamento da doença, uma vez instalada, tem uma evolução mais grave e limitante em pacientes mulheres.

A mulher costuma ser a cuidadora, a responsável pelo cuidado de toda família. Ela tem que entender que eventualmente em algum momento ela vai precisar ser cuidada. Até para ser restituída de sua saúde plena.

Uma orientação é não se conformar muito facilmente com um diagnóstico de ansiedade ou depressão, ou atribuir tudo à menopausa, porque esses podem ser fatores confundidores principalmente para mulheres nessa faixa etária. Buscar sempre a orientação médica e até mais de uma se for o caso, mas não se conformar com um primeiro diagnóstico de que o que está sentindo não é nada.

 

“A mulher costuma ser a cuidadora, a responsável pelo cuidado de toda família. Ela tem que entender que eventualmente em algum momento ela vai precisar ser cuidada. Até para ser restituída de sua saúde plena”

 

Você esteve presente no lançamento do documentário “Me Sinto Assim”. Como avalia a importância de dar visibilidade aos relatos de pacientes com IC?

Relatos das experiências pessoais com a doença ajudam muito. Nos depoimentos daquelas mulheres estão questões como o desconhecimento, a busca e os sintomas que não foram adequadamente sanados nas condutas iniciais realizadas pela equipe médica.

Também vemos a questão da mulher que cuida, cuida, cuida, mas de repente tem que lidar psicologicamente e emocionalmente com o fato de ter que ser cuidada em determinado momento para que volte a ser produtiva. O que é muito importante no documentário foi observar que a partir da adesão ao tratamento essas mulheres voltaram a ser funcionais. Com alguma limitação, mas nem um pouco dessa limitação enorme que muitas vezes é fantasiosa. Em termos de esclarecimento, o documentário é muito importante.

Muitas vezes o médico em sua consulta tem um tempo limitado para dar todas as informações, ao passo que quando eu como mulher com insuficiência cardíaca, identifico uma outra referência que passou por aquilo e superou chegando num ponto de equilíbrio e com boa qualidade de vida… E por que? Aderiu ao tratamento, aderiu às medidas higiênicas e dietéticas que são importantes para além da medicação.