Meu nome é Neide Valentina, sou mãe do Caio Vinícius, de 15 anos, e da Vitória de 11. Moramos em Rio Grande da Serra, interior de São Paulo, e sou auxiliar de enfermagem. Quando soube que estava grávida de uma menina, já disse que o nome dela teria que ser
Vitória, porque o Caio sempre foi uma vitória na minha vida.
Desde que o Caio nasceu, não trabalhei mais como auxiliar de enfermagem. Minha bolsa rompeu quando eu estava com 20 semanas. Fui pro hospital e fiquei lá por 8 semanas. O Caio nasceu de 29 semanas e teve várias complicações ainda quando estava na UTI NeoNatal. Eu achava que tudo era por causa da prematuridade, mas com 15 dias de vida descobri que o Caio tinha Hipertensão Pulmonar. Na minha cabeça de mãe, pensei que era porque ele era pequeno e que quando crescesse isso ia passar. E não foi o que aconteceu. Ele teve uma broncodisplasia e nunca mais voltou a ter uma pressão normal. Ele começou a usar o sildenafil com 15 dias de vida e eu só me dei conta de que era uma doença rara e sem cura quando o Caio tinha 1 ano. Porque uma médica me deu o livro “Relatos de quem vive com uma doença rara, crônica e sem cura”. Pensei: “Sem cura? Como assim?” Durante esse um ano eu achava que ele ficaria bem tomando o remédio.
O Caio usou oxigênio 24 horas por dia durante muito tempo, depois quando começou a ir pra escolinha, ia com oxigênio em um cilindro pequeno pra escola. Quando ele passou para o primeiro ano, usava o oxigênio só para dormir. Foi uma evolução ao longo dos anos.
Em 2018 ele teve um tromboembolismo pulmonar e há cerca de dois anos teve um derrame pleural e um derrame no pericárdio. Ele ficou no hospital por 47 dias e não melhorava. Foi então que descobrimos que ele tinha Asma Grave. Aí eu comecei a entender que muitas das crises que o Caio tinha de cansaço, de broncoespasmo, de desmaio até, era por causa da falta de ar, mas aquela chiadeira dele e aquele mal-estar eram por causa da Asma Grave.
Hoje o Caio tem 15 anos e quando ele vai usar o salbutamol, porque está em crise, ele usa 7 pufes. Só assim consegue melhorar. E aí o coração dele vai a mil por hora e isso me deixa muito nervosa. Ele usa Spiriva duas vezes ao dia. É uma medicação de alto custo e nem sempre tem no SUS. Além dos vários medicamentos, eu tenho em casa dois oxímetros e um concentrador de oxigênio para usar em casa, mas também pego oxigênio grande na UPA porque senão a conta viria muito alta. E Caio tem um portátil que ele usa para ir pra escola.
O Caio toca percussão muito bem. Engraçado que vejo ele sentado tocando bateria e pandeiro e ele tem uma disposição e força imensa. Mas aí ele sobe dois lances de escada, e eu preciso ajudá-lo.
O Caio teve duas crises de asma tão fora do comum que achei que era da HP, mas o médico me explicou que era uma crise de broncoespasmo por causa da Asma Grave. É desesperador. Mesmo eu sendo auxiliar de enfermagem e tendo tudo em casa, não conseguia tirar o Caio da crise. As pessoas acham que asma é uma coisa boba, mas não é. Numa crise de asma, se você não tem a medicação em mãos, você pode vir a óbito. É diferente da HP, que se você começar a passar mal você consegue ir pro hospital. Por mais que não tenha cura, você consegue ir para o hospital e ser medicado.
Me doeu muito quando eu tive o diagnóstico do Caio de HP, eu senti uma dor imensa de saber que meu filho tinha algo que não tinha cura. Mas quando me falaram da asma grave, parece que a dor dobrou, porque você tem que estar sempre atento. As pessoas acham que sou exagerada e super protejo o Caio, mas não é nada disso. Eu quero que ele seja um homem vencedor, eu luto e mostro pro mundo como meu filho é uma criança abençoada.
Lidar com um filho com uma doença rara sem cura e mais a asma é muito difícil. Eu estou atenta sempre, mas ele é um milagre. Eu creio no Deus do milagre. Não importa a religião, eu falo que a fé é tudo. E minha fé vai além porque eu creio em milagres. Eu sei que uma hora eu vou ouvir “Seu filho não tem mais nada”, mas enquanto ele tiver, eu estou aqui pra cuidar dele. Eu nasci pra ser mãe e existe uma Neide antes do Caio e da Vitória e uma Neide depois. A Neide que existia antes tinha uma vida super ativa, trabalhava de auxiliar de enfermagem e nas horas vagas, fazia eventos. Eu mal parava em casa. Depois que eu fiquei grávida, minha vida mudou. Algumas pessoas acham que mudou pra pior, mas não, eu posso ter deixado de ter vida social e emprego fixo, mas o amor que eu tenho vai além de qualquer coisa.
Eu queria ter dinheiro para poder pagar pesquisas para a cura e medicações novas. Eu acho que o governo poderia investir mais, tem muita gente sofrendo. Uma pessoa com asma grave tem que ter o suporte em qualquer lugar do mundo, ela não pode ficar sem medicação. Se uma pessoa vai numa farmácia de alto custo e não tem a medicação que ela precisa e a pessoa vem a óbito, ela morreu da doença em si? Não, ela foi assassinada pelo estado. Porque o estado tem a obrigação de manter esses pacientes.
A gente só quer ter direito à vida, a gente só quer respirar. E quando eu falo “a gente” é porque eu me sinto portadora de asma grave e de HP porque meu filho tem. Eu me sinto uma rara porque meu filho tem uma doença rara. Eu vou lutar enquanto eu viver. O que eu quero é que meu filho sempre tenha ar nos pulmões. A gente tem que cuidar do paciente, mas a gente tem que cuidar de quem cuida do paciente também. Às vezes o Caio está com uma crise terrível de falta de ar e eu acho que meu coração fica a 200 por hora, parece que eu fico com mais taquicardia que ele. É desesperador. Com tudo isso, eu aprendi como amar ao próximo e como ter paciência, aprendi que tudo é no tempo de Deus. Eu tenho apoio da minha família e de todos meus amigos, que me ajudam com transporte ou até vaquinha para comprar medicamentos. O Caio só tem médicos ótimos, tanto do SUS quanto do convênio. Eu critico o SUS pela falta de medicação, mas o atendimento do SUS é incrível.
O meu sonho hoje seria poder trocar de pulmão com o Caio. Eu não me importaria de ficar chiando, de ficar cansada, de ficar usando esse tanto de medicação. Eu só queria ver meu filho respirando livre pelos quatro cantos do mundo. Eu percebo que o que salva o Caio, o que liberta ele, é a música. Música é o remédio pra alma. Além desse sonho impossível, outro sonho que tenho é que todos os pacientes com asma grave, pacientes com doenças crônicas, pacientes raros, tenham tratamento digno pelo SUS, um tratamento que dê a todos o direito à vida, o direito à respirar.