Por Brenda Goodman, CNN Matéria lançada na quarta-feira, 27 de março de 2024. Médicos diagnosticaram Katrina Barry com hipertensão…
Por Brenda Goodman, CNN
Matéria lançada na quarta-feira, 27 de março de 2024.
Médicos diagnosticaram Katrina Barry com hipertensão arterial pulmonar depois que ela teve um ataque cardíaco aos 25 anos.
CNN —
Quando os médicos contaram a Katrina Barry que ela tinha uma condição rara e grave chamada hipertensão arterial pulmonar, ou HAP, eles a avisaram para não procurar no Google.
“Calma aí”, pensou ela; eles queriam que uma jovem se encaminhando para a pós-graduação, que havia sobrevivido a um voo transatlântico enquanto sofria um ataque cardíaco, e agora uma cirurgia de coração aberto, não pesquisasse sobre a condição que continuava tentando matá-la?
Disponível para ela na internet, havia algumas informações arrepiantes. A HAP afeta cerca de 500 a 1.000 americanos a cada ano, frequentemente mulheres entre 30 e 60 anos, segundo a Associação Americana do Pulmão (American Lung Association).
Barry, com 25 anos na época, soube através de sua pesquisa que possuía de dois a cinco anos de vida, baseado em quão grave sua condição já estava.
Em seguida, sua equipe médica lhe ofereceu uma possível salvação: um medicamento experimental inédito chamado Sotatercept, que encurta um fator de crescimento super produzido por pessoas com HAP, alterando potencialmente a biologia subjacente da doença.
Ela se inscreveu em um estudo para testar o medicamento, administrado a cada três semanas através de injeção na pele.
Iniciou o tratamento no início da pandemia de Covid-19, em março de 2020. Barry disse que usava cuidadosamente uma máscara N95 e duas camadas de roupa, e se lavava após cada visita ao hospital para tomar suas injeções, para evitar ser contaminada pelo Covid ao longo do tratamento.
“Eu tive que ir ao hospital porque estava morrendo se não recebesse esse medicamento”, disse ela. “Esta era a única chance que tinha de sobreviver.”
Na terça-feira, a Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) aprovou o medicamento que Barry toma há quatro anos, ao qual ela atribui os créditos por mantê-la viva e permitir que retome muitas das atividades de que gostava de fazer antes de seu diagnóstico.
A Merck, empresa que fabrica o medicamento, disse que ele será vendido sob a marca Winrevair.
Barry, agora com 29 anos, é consultora de pacientes da Merck, mas disse que não recebeu nenhuma recompensa por contar sua história.
Winrevair foi aprovado pela FDA na terça-feira (26 de março de 2024) para ajudar a tratar a hipertensão arterial pulmonar.
Winrevair é um medicamento biológico projetado para agarrar e prender proteínas chamadas activinas, que são super produzidas em HAP. Essas proteínas fazem com que as paredes dos vasos sanguíneos de uma pessoa continuem crescendo e se tornando mais espessas ao longo do tempo.
À medida que os vasos sanguíneos se estreitam, o coração é forçado a trabalhar mais para bombear sangue para os pulmões. Esse estresse eventualmente danifica o coração, fazendo com que falhe.
Sem tratamento, as pessoas que têm HAP geralmente vivem cerca de dois a três anos após o diagnóstico. O tratamento com uma combinação de medicamentos que dilatam ou relaxam os vasos sanguíneos pode melhorar essa perspectiva, mas não é uma cura.
“Este medicamento tem um mecanismo de ação muito diferente, e pode realmente reequilibrar parte do crescimento que ocorre nas muito pequenas arteríolas pulmonares onde a doença começa”, disse a Dra. Vallerie McLaughlin, cardiologista da Universidade de Michigan que ajudou a estudar o Sotatercept.
“Isso pode atacar a doença de um ângulo diferente e permitir o que denominamos de remodelamento reverso”, disse ela, o que significa que os pacientes podem melhorar com o tempo, enquanto tomam a medicação.
Winrevair é o primeiro novo tipo de medicamento a surgir para pacientes com HAP em muito tempo, disse o Dr. Panagis Galiatsatos, especialista em medicina pulmonar e de cuidados intensivos do Johns Hopkins Bayview Medical Center e porta-voz da Associação Americana do Pulmão (American Lung Association).
Em estudos com animais realizados antes dos testes em humanos, a droga parecia poder fazer mais do que apenas tratar os sintomas: parecia que poderia ser capaz de parar o espessamento dos vasos sanguíneos e talvez prolongar a vida dos pacientes, mas esses benefícios não foram demonstrados em humanos.
Em vez disso, disse Galiatsatos, a FDA aprovou o medicamento com base em outros sinais de efetividade, como se os pacientes conseguiam caminhar por distâncias maiores em seis minutos do que antes de começarem a tomar o medicamento, uma medida clínica chamada teste de caminhada de seis minutos (TC6).
Em um estudo que incluiu 323 pessoas que tomaram o Sotatercept ou um placebo por seis meses, aquelas que receberam o medicamento foram capazes de andar 34 metros, aproximadamente a metade da quadra de uma cidade, mais longe em seis minutos do que antes de iniciar o tratamento, enquanto as pessoas no grupo placebo caminharam apenas cerca de 1 metro a mais do que quando iniciaram o estudo. Ambos os grupos também estavam tomando os medicamentos padrão para a condição, que ajudam a relaxar os vasos sanguíneos e melhorar o fluxo sanguíneo.
No final do estudo, nove participantes, ou cerca de 5%, do grupo do Sotatercept haviam morrido ou sua doença havia piorado, enquanto 42 pacientes, ou cerca de 26%, do grupo que tomou placebo haviam morrido ou piorado.
A FDA estava disposta a agir rápido para aprovar o medicamento porque a doença, disse Galiatsatos, é uma “bomba-relógio” para pessoas que não têm tempo para esperar por estudos mais longos.
O estudo que levou à aprovação do medicamento foi publicado no New England Journal of Medicine ano passado.
“Muitos de nós estamos entusiasmados com um medicamento como este, para poder oferecer aos nossos pacientes algo que acreditamos ser melhor do que o seu padrão atual de terapia”, disse Galiatsatos, que observou que nem ele, nem a Associação Americana do Pulmão (American Lung Association) possuem qualquer interesse financeiro no medicamento.
Mas Galiatsatos disse que, por mais promissor que o medicamento pareça, ainda há muitas incógnitas, como se o medicamento beneficiará todos os pacientes com HAP igualmente. Embora um número significativo de pessoas diagnosticadas com a doença sejam afro-americanos, observou ele, apenas sete pessoas no ensaio clínico – representando 2% dos participantes – eram negras.
“Eu costumo prender a respiração” com qualquer novo medicamento, disse Galiatsatos, acrescentando que “está esperando que os dados do mundo real cheguem para ver o quão bem isso funcionou em pacientes mais diversos”.
Em julho de 2019, Barry havia alugado um apartamento para o verão na Grécia, onde estava ansiosa por se voluntariar em um hospital infantil. Mas, enquanto estava no exterior, a falta de ar que ela vinha questionando aos médicos há mais de dois anos de repente piorou.
Despertou numa manhã lutando por ar e percebeu que a situação era terrível. Sabia que tinha que voltar para casa em Boston em busca de ajuda. Ligou para a mãe e eles reservaram um voo para que ela retornasse aos Estados Unidos.
Pousou no aeroporto e foi direto para o hospital. Ali, os médicos fizeram uma tomografia computadorizada e encontraram o que pareciam ser dezenas de coágulos sanguíneos nos minúsculos vasos que enlaçam os pulmões. Seu coração havia sido severamente danificado por um ataque cardíaco.
“O cardiologista disse que meu nível de dano cardíaco não é encontrado até a autópsia”, disse Barry. “E todos os médicos disseram que eu não deveria ter sobrevivido àquela viagem de avião para casa.”
Seguiu-se uma operação delicada para remover os coágulos. Porém, os cirurgiões que abriram seu peito descobriram que seus vasos sanguíneos haviam, na verdade, entrado em colapso em muitas áreas, imitando coágulos sanguíneos. A pressão arterial dentro de seu coração era altíssima, e foi então que finalmente souberam que estavam lidando com HAP, disse ela.
Como a doença é rara e muitas vezes afeta mulheres mais jovens, os atrasos no diagnóstico infelizmente são comuns, disse Barry.
Enquanto os médicos aqueciam o corpo de Barry para tirá-la da cirurgia, seu coração não recomeçava. Ela passou uma semana em coma induzido em uma máquina de bypass simulando o coração e pulmão. A equipe médica disse a seus pais que ela provavelmente precisaria de um transplante cardiopulmonar imediato.
Após alguns dias na máquina de bypass, no entanto, seu corpo começou a se recuperar e os médicos conseguiram tirá-la do coma.
Quando acordou, soube do diagnóstico de hipertensão pulmonar.
Aos 25 anos, enfrentando uma vida muito mais curta do que o esperado, Barry viu tudo de forma diferente.
“Por que estou economizando se não vou me aposentar?”, perguntou-se. “Deixe-me aproveitar a vida que tenho agora.”
Mas não havia sobrado muita vida para aproveitar, disse ela.
Estava amarrada a tanques de oxigênio e sempre se perguntando de quantos precisaria conforme a quantidade de tempo que queria estar fora de casa. Também havia uma grande bomba de medicação nova que vivia em uma pochete que ela nunca podia retirar, nem mesmo para tomar banho.
A bomba fornecia um fluxo contínuo de medicamentos por meio de um cateter enfiado diretamente em uma grande veia em seu corpo, para ajudar a manter seus vasos sanguíneos abertos. Se algo acontecesse com a bomba, ela tinha três horas para chegar ao hospital mais próximo para obter ajuda, disseram-lhe.
Estar vivo era bom e tudo mais, Barry pensou, mas que tal usar um vestido? Que tal dar um mergulho?
“A lista de todas as coisas que eu não podia fazer continua”, disse ela.
Barry foi diagnosticada logo após sua cirurgia em outubro de 2019, e aproveitou a chance de experimentar o Sotatercept na primavera de 2020. As melhorias não foram instantâneas, mas, depois de alguns meses, ela passou de não conseguir nem mesmo dobrar a roupa para poder fazer um pouco mais: era capaz de fazer caminhadas curtas e passear um pouco de caiaque.
Depois de um ano, disse Barry, pôde deixar sua oxigenoterapia contínua e usá-la apenas durante a noite. Eventualmente, ela pôde parar de usá-la à noite também.
Após cerca de 18 meses, os médicos conseguiram remover sua linha central e a volumosa e sempre presente bomba médica, permitindo que mudasse das versões IV de seus medicamentos vasodilatadores para a forma de pílula.
“Para mim, isso foi tão transformador”, disse Barry.
Katrina melhorou tanto que conseguiu voltar à Grécia em 2022 e escalar um vulcão. No mês passado, ela foi esquiar.
Barry ainda tem HAP. Seus pulmões queimam e ela fica com falta de ar quando se esforça muito.
“Mas melhorou com o tempo”, disse Barry.
Está matriculada em um programa de mestrado em saúde pública, e pôde usar um vestido no casamento de seu irmão. Não precisou do transplante cardiopulmonar que os médicos pensaram que precisaria.
“É um medicamento milagroso, honestamente”, disse sobre o Sotatercept. “Isso parece estranho de se dizer, mas fez tanto efeito positivo, e não muito negativo.”
Ela sabe de pelo menos uma pessoa, na comunidade muito unida do HAP, que sofreu sangramento durante o uso do medicamento e teve que parar de tomá-lo.
Em ensaios clínicos, as pessoas que tomaram Sotatercept tiveram mais hemorragias nasais devido ao rompimento dos vasos sanguíneos do nariz, e desenvolveram mais telangiectasias sob a pele. Especialistas dizem que o medicamento pode estimular o crescimento de novos vasos sanguíneos.
Outros efeitos colaterais incluíram tontura e aumento da hemoglobina, a molécula que transporta oxigênio no sangue. Algumas pessoas com HAP já possuem níveis elevados de hemoglobina, uma vez que seus corpos tentam compensar a condição, então adicionar o medicamento em cima disso pode ser demais para elas, disseram os especialistas.
O Sotatercept também pode diminuir as plaquetas, as células que ajudam a formar coágulos, o que aumenta o risco de hemorragia.
“Houve alguns relatos de sangramento gastrointestinal e até sangramento dentro do cérebro”, disse a Dra. Kristin Highland, especialista em pulmão na Clínica Cleveland, que trata pessoas com HAP. “Então o sangramento é provavelmente um efeito colateral real.”
Os médicos que testaram o Sotatercept acreditam que pode ser um grande avanço. Mas também reconhecem que ainda há muitas incógnitas, como se as pessoas que tomam Sotatercept precisarão continuar tomando o coquetel de medicamentos que ajudam a relaxar os vasos sanguíneos e baixar a pressão arterial, disse Highland.
“Essa é a pergunta de um milhão de dólares”, disse ela. “Certamente, há muita esperança de que talvez isso permita que doses mais baixas ou possivelmente uma dessas terapias sejam removidas. Mas acho que não temos uma resposta para isso.”
A Merck diz que planeja cobrar um custo de atacado de US $14.000 por frasco e a dosagem é baseada no peso do paciente. O medicamento virá em kits de frascos simples ou duplos que podem ser usados em casa.
Baseando-se em dados de ensaios clínicos, Merck diz esperar que a maioria dos pacientes precise de um único frasco a cada três semanas, por um custo anual de cerca de US $243.000.
O custo de atacado normalmente não é o que os pacientes pagam. O custo final para os indivíduos é determinado após as seguradoras negociarem o preço.
Ainda assim, isso é significativamente mais do que alguns analistas esperavam ver. O Instituto para Revisão Clínica e Econômica, uma organização sem fins lucrativos, disse que os benefícios do medicamento valeriam o custo de cerca de US $35.000 por ano.
Merck disse em um comunicado à imprensa que espera que o medicamento esteja nas farmácias especializadas até o final de abril.
Pelo menos inicialmente, os pacientes têm que receber suas injeções de Sotatercept em uma clínica, onde podem ser monitorados. Com o tempo, disse Barry, ela pôde começar a aplicar as injeções em casa, o que tem sido mais conveniente.
O Dr. Aaron Waxman, médico de Barry e diretor do programa de doenças vasculares pulmonares no Brigham and Women ‘s Hospital em Boston, disse ter visto outros pacientes que se saíram tão bem quanto ela nos seis anos em que estudaram o medicamento. Essas pessoas também puderam tirar suas bombas médicas e mudar suas outras terapias para pílulas.
Uma dessas pílulas – Opsynvi, uma nova combinação de dois medicamentos comumente utilizados feitos pela Johnson & Johnson – obteve a aprovação da FDA na segunda-feira para tratar a HAP.
“Estamos vendo uma melhora acentuada que sugeriria reversão” da doença com Sotatercept, disse Waxman.
“Nunca vi esse tipo de melhora na doença antes”, disse ele. “Acredito que isso um divisor de águas.”
Barry diz que o medicamento já tem sido uma luz para pessoas que podem não ter muito pelo que lutar.
“Trouxe muita esperança para as pessoas que perderam toda a esperança por causa desta doença fatal”, disse ela.
Materia traduzida por Paola Marins – voluntária ABRAF