Como uma descoberta que nos trouxe o Viagra poderia ajudar as pessoas que estão lutando contra o coronavírus

O óxido nítrico é um gás com um currículo médico invejável. Sua descoberta deu origem a um tratamento que resgata…

O óxido nítrico é um gás com um currículo médico invejável. Sua descoberta deu origem a um tratamento que resgata milhares de “bebês azuis” — recém-nascidos que sofrem com a falta de oxigênio devido a um defeito cardíaco — das garras da morte todos os anos. Posteriormente, pesquisas sobre a capacidade do gás em promover o relaxamento dos vasos sanguíneos levou ao desenvolvimento da pílula azul mais famosa do mundo — o Viagra, medicamento para disfunção erétil.
Em 1992, a revista Science nomeou o óxido nítrico a “molécula do ano”.
E em 1998, Louis J. Ignarro, farmacologista da UCLA compartilhou um prêmio Nobel da medicina por revelar o papel do óxido nítrico como "molécula sinalizadora no sistema cardiovascular.
E isso não é tudo. O gás incolor e inodoro, inalado através de uma máscara, está atualmente sendo testado como tratamento experimental para a COVID-19. Ele também pode se mostrar útil para proteger os profissionais de saúde que atuam na linha de frente da pandemia, evitando que fiquem doentes.
Em hospitais de Boston, Alabama, Louisiana, Suécia e Áustria, pesquisadores lançaram um estudo clínico com o objetivo de testar a inalação de óxido nítrico em pacientes com casos leves ou moderados de COVID-19. O estudo irá avaliar se o gás pode reduzir o número de pacientes que precisam do auxílio de ventiladores mecânicos para respirar, equipamento cujos estoques se encontram em níveis criticamente baixos.

Os participantes do estudo que pertencem ao grupo tratado deverão inalar uma dose alta de óxido nítrico por meio de uma máscara duas ou três vezes ao dia, ao longo de aproximadamente 30 minutos. O grupo controle não fará a inalação do gás.
Na Itália, onde o gás foi utilizado sob condições menos controladas, o tratamento pareceu elevar drasticamente os níveis de oxigênio no sangue de pacientes com COVID-19, disse o Dr. Lorenzo Berra, especialista em Medicina Intensiva do Hospital Geral de Massachusetts e líder do novo estudo. Mas serão necessários estudos mais rigorosos para esclarecer o quanto o óxido nítrico pode ajudar, diz ele.
Um segundo estudo proposto, ainda sob avaliação por um painel de pesquisadores no Hospital Geral de Massachusetts, iria avaliar profissionais da saúde que são rotineiramente expostos a pacientes com COVID-19 e que estão sob alto risco de infecção. No início e final de cada turno, médicos e enfermeiros iriam ativar um dispositivo portátil e inalar uma alta dose de óxido nítrico por 10 a 15 minutos.
Em humanos, o óxido nítrico é naturalmente produzido por 60 trilhões de células que revestem nossos vasos sanguíneos, e também por algumas células nervosas. Ele ajuda a regular a pressão sanguínea, envolve as toxinas invasoras, e evita que as plaquetas no sangue formem coágulos, além de ter funções relacionadas à alimentação e ao sexo.
Mas às vezes é necessário uma suplementação. Quando eventos inflamatórios, enfisema, ou uma doença como a fibrose cística ataca os pulmões, os grandes vasos sanguíneos e os pequenos capilares que fornecem oxigênio contraem. O óxido nítrico inalado promove o relaxamento destes vasos, aumentando a transferência de oxigênio para o sangue e reduzindo a carga de
trabalho do coração.
Desde 1993, ele tem sido utilizado para resgatar recém-nascidos com carência de oxigênio devido a defeitos cardíacos congênitos, assim como crianças com hipertensão pulmonar persistente. Estes pacientes jovens começam inalando uma alta dose de óxido nítrico durante o cuidado neonatal intensivo. Seus corpos geralmente respondem produzindo o gás por conta própria, geralmente dentro de cinco dias.

E é isso, disse o Dr. Warren Zapol, pioneiro no uso medicinal de óxido nítrico e diretor do Centro de Anestesia do Hospital Geral de Massachusetts para Pesquisa Clínica. “Você liga o gás”, disse ele, e os bebês vão do azul pro rosa diante dos seus olhos. Em adultos com hipertensão pulmonar, o óxido nítrico inalado dilata os vasos sanguíneos dos pulmões sem afetar os vasos sanguíneos de
outras partes do corpo, fazendo dele um método seguro para aliviar a pressão alta. O gás também é administrado após cirurgias cardíacas para evitar o enrijecimento dos pulmões.
“É uma droga fantástica,” disse Berra, porque o seu efeito, quando inalado, é limitado aos pulmões. “Ele tem um perfil de risco que é mínimo.”
Em 2004, pesquisadores na Universidade de Leuven na Bélgica descobriram mais uma propriedade do óxido nítrico: ele é capaz de matar o coronavírus. Mas especificamente, ele é capaz de matar o coronavíus que partiu dos morcegos para os humanos e levou à epidemia de síndrome respiratória aguda grave , mais conhecida como SARS, em 2003. Em células de macacos-verdes africanos que haviam sido infectadas com o SARS coronavírus, um composto orgânico de óxido nítrico reduziu a habilidade do vírus de se replicar pela metade. Um ano depois, cientistas suecos confirmaram os achados e descobriram que quanto maior a dose, maior a eficiência do gás em controlar o vírus.
“Foi aí que a história acabou,” disse Berra. A epidemia de SARS foi controlada em oito meses, e “ninguém fez mais nenhum estudo.” Mas Berra não se esqueceu de que se um novo coronavírus viesse a atacar os pulmões das pessoas, ele teria um gás que poderia tratar a doença em duas frentes – fortalecendo os pulmões afetados e bloqueando a habilidade do vírus em manter o seu ataque.
Neste inverno, conforme ele assistia o novo coronavírus SARS-CoV-2 se espalhar pelo mundo, Berra voltou a estes estudos, conversou com companhias que fornecem óxido nítrico em tanques, e preparou seu plano.

Espera-se que um total de 240 participantes participem do estudo de pacientes com casos de COVID-19 de nivel leve a moderado. O estudo envolvendo os profissionais da saúde visa a inclusão de 470 pessoas. Quando utilizado em níveis elevados, como planejado nos estudos propostos por Berra, o gás irá exigir monitoramento constante dos níveis de hemoglobina para evitar o desenvolvimento de metahemoglobinemia, condição na qual as hemácias não conseguem se ligar ao oxigênio. Nesses casos, disse Berra, a dose pode ser reduzida e a hemoglobina irá rapidamente voltar ao normal.
Enquanto isso, na China, os cientistas que lutam contra a pandemia de COVID-19 estão focando em um achado anterior da pesquisa de Ignarro. Em 1988, pesquisadores descobriram que o óxido nítrico parecia ter um papel no preparo dos mamíferos do sexo masculino para o sexo. Ao promover o relaxamento dos tecidos do pênis, ele permitia que o sangue fluísse entumescendo o órgão.
O Viagra veio para o mercado dos Estados Unidos. oito anos depois. E agora o Viagra está sendo explorado como um tratamento para a COVID-19. Um estudo piloto na China está testando a droga em pacientes com COVID-19 que apresentam dificuldade para respirar e que ainda não precisam de ventilação mecânica.
Assim como o óxido nítrico, o Viagra, conhecido genericamente como Sildenafil, dilata os vasos sanguíneos. Os pesquisadores chineses que investigam a droga acreditam que ela pode ajudar a abrir os minúsculos vasos que puxam o oxigênio dos pulmões, permitindo que os pacientes superem as dificuldades respiratórias que ocorrem em alguns casos de COVID-19.
A lista crescente de usos medicinais para o óxido nítrico continua a maravilhar o farmacologista que estava entre os primeiros a explorar o gás. Sempre que uma revista científica sugere um novo efeito benéfico, “Eu fico empolgado,” disse Ignarro. “Eu vou para a minha sala de estar — que nós chamamos de Sala do Nobel — e pego o meu prêmio e simplesmente aprecio-o.”

E então, ele adiciona, “Eu volto ao trabalho,” lendo e escrevendo artigos e atualizando seu livro “Óxido Nítrico: Biologia e Patobiologia,” obra sobre as funções medicinais do gás.

Por Melissa Healy