O diagnóstico de Insuficiência Cardíaca traz muitas mudanças na vida de pacientes e familiares. São transformações na rotina, que passa…
O diagnóstico de Insuficiência Cardíaca traz muitas mudanças na vida de pacientes e familiares. São transformações na rotina, que passa a incluir visitas frequentes a médicos e hospitais, uso de medicamentos controlados e alterações nas atividades domésticas e de trabalho. Além disso, enfrentar uma doença grave e para a qual não existe cura, impacta a saúde mental de quem se depara com essa condição.
Nós conversamos com a psicóloga Giulia Priore, especialista em Saúde Mental pela Santa Casa de São Paulo e em Psicologia Hospitalar pelo InCor, para entender melhor como lidar com a ansiedade, o medo e a depressão que muitas vezes acompanham o diagnóstico de Insuficiência Cardíaca.
Isso depende de vários fatores, como a maneira em que essa notícia é dada, qual a situação de vida do paciente, qual a subjetividade dele… Isso é algo muito particular. Mas quando a gente fala de doença grave sem cura, a gente vai falar também de cuidados paliativos. A gente associa cuidados paliativos com a morte, mas não é assim. Os cuidados paliativos deveriam fazer parte de todo e qualquer tratamento de saúde. Em casos de doenças complexas, que vão trazer um sofrimento grande ao paciente, também temos que levar em consideração a qualidade de vida. O diagnóstico não significa que a vida desse paciente acabou e é importante que isso seja dito a ele, porque num primeiro momento vai ser um susto.
Precisa ser muito bem esclarecido ao paciente o que significa receber esse diagnóstico, que sofrimentos a doença pode causar e qual a trajetória a seguir com o tratamento. A Insuficiência Cardíaca é uma doença que limita muito. Pode trazer limitações, por exemplo, de ingestão de água, hábitos alimentares e na questão da independência, porque o paciente às vezes vai precisar de ajuda para atividades simples do dia-a-dia, como subir escadas e pentear cabelo. Isso gera um estresse muito grande para essa pessoa. Tem toda uma preocupação, uma fantasia, com medo, tristeza e ansiedade.
A parte mais importante é reconhecer essas emoções. Tomar consciência dos seus sentimentos e das suas emoções, do que acontece internamente, não é fácil. Existem muitas vezes mecanismos de defesa, como negação e agressividade, que são maneiras automáticas da nossa psique lidar com a situação. Mas não significa que esses são os melhores jeitos de lidar com isso.
Então o primeiro passo é sentir essas emoções e trazê-las para a consciência. Existem várias formas de fazer isso. A primeira é a psicoterapia e existem também os grupos de apoio que são fundamentais porque promovem a vivência com outras pessoas que estão passando pela mesma situação e que vão compartilhar dicas do que elas fazem para lidar com os desafios provocados pelo adoecimento. Isso é muito rico, essas pessoas se fortalecem muito. Mas é importante cuidar do individual também. Então pra isso, a psicoterapia, a conversa com a equipe de saúde, a confiança na rede de apoio e se informar bastante sobre a doença.
A saúde mental faz parte de uma saúde integral. Se o paciente já está adoecido fisiologicamente, a saúde mental dele já vai estar comprometida. Então, é importante cuidar dos dois. No caso da Insuficiência Cardíaca existe um conflito, pois a atividade física ajuda tanto na saúde fisiológica quanto mental. Mas como fazer com as limitações impostas ao paciente com IC? Os especialistas precisam pensar nisso junto com o paciente. É fundamental que o paciente tenha autonomia e possa tomar decisões em conjunto com a equipe de saúde.
Ainda existe muito preconceito e tabu para falar de questões subjetivas, emocionais, sentimentais e psicológicas. Mas é contraditório você pensar que está buscando tratamento para uma condição fisiológica e ignorando uma questão psicológica. Porque saúde é algo integral, que diz respeito ao nosso físico, ao funcionamento do nosso corpo, e também da nossa mente, do nosso cérebro, da nossa psique.
Pacientes podem buscar apoio psicológico conversando com a equipe de saúde, conversando com sua rede de apoio, buscando na internet em sites como o da CVV, pesquisando, se informando e lutando contra o preconceito que pode vir até mesmo de profissionais sem tanto conhecimento. É muito importante o paciente compreender, depois de ter tomado ciência de suas dores, que ele não está sozinho, que existem muitas formas de lidar com esse sofrimento, com essa angústia, com esses sintomas psicológicos, e ir atrás, conversar com organizações de pessoas que tenham as mesmas condições médicas.
As emoções e os sentimentos são parte do funcionamento do nosso corpo. Independente do diagnóstico, a questão da cura é muito subjetiva. Quando a gente pensa em qualidade de vida, a gente pensa em vários fatores que devem ser levados em consideração. Um estilo de vida saudável é aquele que cuida da saúde de forma integral. E com certeza pode contribuir para melhora do quadro clínico. Uma pessoa com depressão possui diversos sintomas, que podem ser cansaço e falta de vontade. Aí surge a dúvida se os sintomas ocorrem em razão da IC, de uma questão subjetiva, ou das duas questões. Olhar para a questão psicológica vai ajudar nesse enfrentamento e também nos cuidados paliativos. Ajudar o paciente a olhar para sua vida além da doença. Essa pessoa tem uma doença, mas ela não é a doença. Essa é a importância do cuidado subjetivo e emocional para que o paciente entenda as possibilidades que tem além das limitações.
Qualquer adoecimento vai afetar a rede de apoio. Ao pensar em uma doença complexa, crônica e que não tem cura, ela afeta os familiares de uma forma subjetiva também, porque vão existir preocupações de querer ajudar e não saber como. Muitas vezes a própria rede de apoio apresenta mecanismos de defesa, como negação. Isso depende de vários fatores, que vão desde nível de escolaridade até questões subjetivas.
É importante que esses familiares e amigos busquem também conhecer a doença junto com o paciente. Estar junto, acompanhar as consultas se o paciente se sentir confortável, mostrar que essa família está disposta a aprender, buscar proximidade com a equipe de saúde e participar ativamente do tratamento. Inclusive buscar uma psicoterapia própria para se fortalecer e trazer pra consciência questões individuais que possam interferir na maneira como essa rede de apoio vai lidar com o adoecimento. A vida dessas pessoas não para, mas muitas vezes o foco muda. Então, é fundamental que esse cuidado integral com a saúde também se amplie para a rede de apoio.