Asma grave: do diagnóstico ao tratamento

No Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas vivem com asma grave. A doença provoca uma inflamação crônica nas vias…

No Brasil, cerca de 1 milhão de pessoas vivem com asma grave. A doença provoca uma inflamação crônica nas vias aéreas, que afeta os brônquios e causa tosse, chiado no peito e falta de ar. A asma é considerada grave quando a pessoa faz o acompanhamento médico adequado, toma as medicações indicadas e, mesmo assim, enfrenta crises com frequência e precisa ser hospitalizada várias vezes ao ano.

Para conhecer mais sobre a doença e como lidar com ela, a Abraf realizou uma live com o dr. José Eduardo Cançado, pneumologista e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e membro da Comissão da Asma da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Confira abaixo os principais assuntos abordados durante a live.

– Qual a definição da asma grave? E como ela se diferencia de asma moderada ou de bronquite?

Asma é uma inflamação crônica das vias aéreas. Essa inflamação crônica faz com que a parede dos brônquios se inflame e fique mais grossa. A luz do brônquio vai diminuindo e esse indivíduo vai ter um quadro de tosse, chiado, aperto no peito e falta de ar.

A grande maioria das pessoas tem asma leve, com poucos sintomas ou sintomas ocasionais, que são tratados muitas vezes no pronto-socorro em momentos de crise, principalmente no inverno ou desencadeados por uma infecção viral ou exposição a um alérgeno.

O indivíduo que tem asma grave é aquele indivíduo que tem muito sintomas, que precisa ser hospitalizado 20 vezes mais do que o indivíduo portador de asma leve. Ele tem 5 a 6 vezes mais crises no ano.

– Essa inflamação normalmente é causada por quê?

É um conjunto de fatores. Na verdade, o indivíduo nasce com uma predisposição genética. Existem muitos genes associados ao desenvolvimento da inflamação. A asma pode começar em qualquer idade. Na grande maioria das pessoas, ela começa na infância, e quando começa na infância, está normalmente associada à alergia.

Nesses casos, ao entrar em contato com ácaros, pó ou poluição, por exemplo, a pessoa vai ter uma inflamação na mucosa do nariz, vai desencadear uma rinite alérgica (aquele quadro com espirro e coceira no nariz) e pode desencadear a inflamação na parede dos brônquios que é asma.

Muitas crianças que têm asma deixam de ter a doença na adolescência até a idade adulta. Quando a asma começa na infância, 60% a 70% deixam de ter depois. Alguns indivíduos podem voltar a ter na idade adulta, mas a maioria não.

Mas existem também indivíduos que desenvolvem asma com a idade, já adultos. Algumas pessoas acabam desenvolvendo a inflamação não de natureza alérgica, mas por um outro tipo de inflamação. Por isso, a gente diz que a asma, especialmente a asma grave, é uma doença complexa e heterogênea. Nós precisamos personalizar, entender o que desencadeia em cada indivíduo e qual é o tipo de processo inflamatório para escolher drogas que a gente chama hoje de “algo específicas”, que são os imunobiológicos.

– Como é feito o diagnóstico da asma grave?

O que diferencia a asma leve e moderada da asma grave é a dose do remédio que eu tenho que dar para controlar o quadro, para que a pessoa deixe de ter sintomas e não perca a função pulmonar, para que não tenha crise que leve a emergência.

Na verdade, para chegar ao diagnóstico de que o indivíduo tem asma grave, eu vou demorar pelo menos seis meses acompanhando e tratando adequadamente esse indivíduo. Então, frente a um indivíduo que está tendo crise de asma o tempo todo, existe na verdade uma escada de etapas de avaliação. Em primeiro lugar, vou confirmar se é asma mesmo com a história clínica compatível e fazendo um teste de função pulmonar, uma espirometria, aquele exame que o indivíduo vai e sopra num aparelho para medir a capacidade pulmonar.

O segundo passo é checar se ele está usando medicação. Muita gente só usa uma bombinha para tratar sintoma quando tem sintoma. E isso está errado. Mudou completamente a recomendação de manejo da asma nos últimos 5 anos. Todo indivíduo, mesmo que tenha sintomas de vez em quando, tem que usar um corticoide inalado, associado ou não ao broncodilatador.

A asma ainda mata 7 pessoas por dia no Brasil. A grande maioria tem asma leve, mas vai ficando grave porque essa inflamação vai piorando porque a pessoa só usa brônquio-dilatador.

De uma maneira geral, na asma eu faço diagnóstico pelo histórico clínico associado à história familiar. Para diagnóstico de asma grave, eu vou tentar entender se essa asma que não é controlada com dose alta de corticoide na bombinha mais o broncodilatador, pode ser tratada com algum imunobiológico e qual o melhor para cada caso.

A asma grave envolve de 3% a 5% dos asmáticos. Nós temos por volta de 20 milhões de asmáticos no Brasil, quase 10% da população. A asma grave atinge 1 milhão de pessoas, e essas pessoas estão entrando na emergência frequentemente, estão ficando internadas, estão perdendo função pulmonar e têm uma qualidade de vida ruim. Então, elas precisam ser olhadas de uma maneira diferente.

– Quais as formas de tratamento?

A base do tratamento é usar um anti-inflamatório e um broncodilatador. E o anti-inflamatório que funciona para esse tipo de inflamação é a cortisona, que é imunossupressora e diminui a imunidade. Então, a cortisona deve ser utilizada por via inalatória, através das famosas bombinhas. Quando eu associo um corticoide, um anti-inflamatório, junto com o broncodilatador na mesma bombinha, eu acabo tratando a causa, que é a inflamação, e faço o brônquio abrir tratando o sintoma também.

O caso de asma grave é o do indivíduo que usa o remédio em dose alta de corticoide mais broncodilatador e, mesmo assim, não consegue controlar a doença.

Muitos pacientes com asma grave utilizam corticoide frequentemente e esse é um problema no Brasil. Porque os pacientes percebem que melhoram e começam a usar 5 ou 7 dias de corticoide. Mas usar cursos de corticoide mais do que 3 ou 4 vezes ao ano equivale a usar corticoide oral todos os dias. Lá na frente, a pessoa terá uma série de efeitos colaterais, como diabetes, osteoporose, hipertensão arterial, catarata, glaucoma, ansiedade, depressão. É importante, então, que esses indivíduos tenham outra opção além da cortisona e de ficar aumentando a dose de corticoide.

Nós temos hoje cinco imunobiológicos disponíveis no Brasil. Desses cinco, dois já estão no SUS e dois estão em consulta pública para incorporação no SUS. Já nos convênios, os cinco imunobiológicos estão disponíveis hoje no país.

O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para asma foi atualizado em 2021. Temos bombinhas disponíveis hoje no SUS para tratar asma e temos dois imunobiológicos: o omalizumabe, que é para asma grave alérgica, e o mepolizumabe, que é para asma grave eosinofílica.

Como é que eu escolho o imunobiológico para cada paciente? Através de alguns exames: o hemograma é um exame muito simples e muito importante porque mostra a dosagem de eosinófilo (células do sistema imunológico responsáveis pela ação contra microrganismos e no combate a infecções do corpo). Eosinófilo é um tipo de leucócito que, quando em excesso, passa a atacar o organismo e desencadear a inflamação da asma.

Com histórico clínico e exame laboratorial também é possível confirmar se a pessoa é alérgica. O exame pode ser feito na pele ou no sangue.

– No caso da asma grave, o paciente precisa de acompanhamento contínuo e também do uso contínuo do medicamento?

Tem gente que tem asma só de vez em quando, uma vez por ano. Precisa usar remédio o ano todo? Não. Se ele tem uma inflamação que é pequena, não tem sintoma importante, tem capacidade pulmonar normal e faz atividades normais, ele vai usar remédio quando precisar.

Quando o indivíduo tem uma inflamação maior, uma asma moderada, ele tem que usar bombinha todo dia e, muitas vezes, várias vezes ao dia. A asma é variável ao longo do tempo. Se o clima muda, a poluição atmosférica aumenta, se o indivíduo pega um resfriado ou se ele é exposto a alguma coisa, a inflamação no brônquio aumenta.

Já no caso de asma grave, a pessoa usa o remédio todos os dias, usa na dose correta, com a técnica inalatória correta e também é fundamental tratar as comorbidades. Se apesar disso, o quadro continuar não controlado, aí é preciso entender que tipo de inflamação e escolher um dos imunobiológicos disponíveis hoje no Brasil para tratamento.

– A fisioterapia respiratória é uma maneira de melhorar as crises no caso da asma grave?

Não há a menor dúvida. Esses pacientes frequentemente já têm uma série de complicações, com outras doenças associadas e comorbidades. Exercício é fundamental. Já está mais do que demonstrado que o exercício físico é anti-inflamatório no caso de asma. Então, tem que fazer atividade física. Muitos pacientes não fazem exercícios porque sentem falta de ar. Na verdade, esse indivíduo precisa procurar um especialista e ajustar o tratamento, porque precisa fazer atividade física. O exercício melhora o condicionamento muscular da pessoa e a musculatura, especialmente a musculatura respiratória, tem uma importância muito grande. Então, a fisioterapia ajuda sim e os indivíduos têm que fazer atividade física. Se não pode fazer fisioterapia, tem que caminhar, ir para o parque, dançar, fazer algum tipo de atividade física. É importante que o indivíduo faça atividade física, se possível, com fisioterapeuta ou profissional de saúde orientando adequadamente o melhor exercício para aquele tipo de paciente.

Outra coisa que ajuda é o controle ambiental. Muitos pacientes estão expostos a mofo, a poeira e a higiene ambiental não adequada. Até no próprio ambiente do trabalho. A asma exacerbada pelo trabalho também é muito comum. Uma das coisas que é fundamental também no tratamento é estar em dia com as vacinas. Vacinas salvam vidas e são fundamentais para prevenir infecção.

– Uma asma não controlada pode causar DPOC ou problemas cardíacos?

Sem dúvida alguma. Se o indivíduo tem asma durante a vida e não trata adequadamente, tendo muitas crises, o que tende a acontecer é que a via aérea vai fechando cada vez mais, ele vai perdendo capacidade pulmonar e ao longo do tempo acaba tendo DPOC.

 

A live completa está disponível no Youtube. Se inscreva no canal da Abraf e confira!