Abraf entrevista: desafios para o tratamento de Fibrose Pulmonar em 2023

Nesse fim de ano, a Abraf realiza uma série de entrevistas com médicos especialistas sobre os principais desafios para o…

Nesse fim de ano, a Abraf realiza uma série de entrevistas com médicos especialistas sobre os principais desafios para o tratamento das pessoas com Hipertensão Pulmonar, DPOC, Fibrose Pulmonar e Insuficiência Cardíaca.

Conversamos com a dra. Karin Mueller Storrer, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora da comissão de doenças intersticiais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). A médica pneumologista comentou sobre os empecilhos para o diagnóstico da fibrose pulmonar e, consequentemente, para o cuidado com pacientes.

 

Quando falamos em fibrose pulmonar, estamos nos referindo a um conjunto de doenças complexas. Quais os tipos de fibrose pulmonar e quais os principais desafios para cada um desses subgrupos?

Existem vários tipos de doenças pulmonares intersticiais fibrosantes. Entre elas, as mais comuns são a pneumonite por hipersensibilidade (PH), doenças intersticiais associadas às doenças do tecido conjuntivo – reumatológicas – (DPI-DTC) e a fibrose idiopática (FPI).

A PH tem relação com exposição ambiental, tal como mofo domiciliar e penas de pássaros, entre outros. Sabidamente, a manutenção da exposição é um fator de risco para a progressão da doença. Este é o maior desafio deste tipo de fibrose, uma vez que a condição social de muitos brasileiros impede o afastamento definitivo da situação.

Já no caso de DPI-DTC, existe a interface entre pneumologistas e reumatologistas, o que costuma responder melhor ao tratamento. O maior desafio nestes casos é o reconhecimento precoce do comprometimento pulmonar, já que costuma ser o mais grave.

Os pacientes com FPI são em sua maioria idosos. O acesso às medicações (não disponibilizadas pelo SUS e de custo elevado) e as várias doenças associadas são o maior desafio para estes pacientes.

 

Temos recebido muitas pessoas com fibrose pulmonar que estão desassistidas. Como você avalia o atual cenário da fibrose pulmonar em termos de tratamento no SUS?

O tratamento da fibrose pulmonar vive um momento crítico no cenário do SUS. Por ser uma doença extremamente grave, precisa de diagnóstico e tratamento precoce.

Nesta área, a ciência progrediu muito em termos de opções terapêuticas. Desde 2014, com o lançamento de duas medicações antifibróticas – nintedanibe e pirfenidona -, pela primeira vez os resultados se mostraram eficazes em reduzir a taxa de progressão da doença. Até o momento, essas são as únicas drogas aprovadas para o tratamento da fibrose pulmonar. Entretanto, o SUS não disponibiliza este tratamento, inclusive indicando em seu rol terapêutico para FPI drogas que sabidamente elevam mortalidade, como corticóide e azatioprina. Fica claro, assim, o desconhecimento e desatualização sobre o manejo da FPI.

 

Ainda sobre o tratamento, estabelecer um Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) federal, que determinaria o diagnóstico e os procedimentos relacionados à doença no SUS, é uma necessidade para cuidarmos dessas pessoas?

Certamente! Em termos de contas públicas, a judicialização para a aquisição destas medicações eleva sobremaneira os custos para os estados. Em relação ao paciente, gera ansiedade num momento de diagnóstico tão difícil, piora a taxa de sobrevida por aumentar o tempo até a aquisição e início da medicação e ainda gera diferenças sociais, já que os melhores advogados não são acessíveis para a maioria da população.

Um PCDT seria ideal para reduzir custos e beneficiar o maior interessado: o paciente. Entretanto, algumas ações estaduais estão garantindo esta liberação, tal como o estado de Pernambuco, pioneiro, e único atualmente, em ter PCDT para FPI.

 

Há estimativa de quantas pessoas com fibrose pulmonar estão diagnosticadas no Brasil?

Como há vários tipos diferentes de fibrose e estudos epidemiológicos são difíceis de serem feitos e não incentivados por órgão públicos, estas estimativas são muito variadas e baseadas em estudos de centros de referência. No Brasil, a PH e DPI-DTC são os tipos mais frequentes da doença.

 

Por ser uma doença complexa, o tratamento deve ser feito com equipes de saúde especializadas em centros de referência. Há centros de referência em número suficiente no país?

Certamente o local ideal para tratamento destes pacientes são centros de referência. Nestes últimos anos, muitos centros foram habilitados pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). A relação deles está disponível no site. Infelizmente, ainda aquém do número de pacientes com fibrose.

 

Além de acesso a tratamento, o que mais as pessoas com fibrose pulmonar necessitam para terem qualidade de vida e seus direitos garantidos?

O tratamento destes pacientes vai muito além das medicações. Inclui equipe multidisciplinar com fisioterapeuta para fazer a reabilitação pulmonar, nutricionista para garantir aporte calórico e paliativistas para discutir casos mais graves. Além disso, nos centros de referência, há discussões frequentes sobre os casos mais difíceis, com radiologistas, pneumologistas, reumatologistas e patologistas, uma vez que o diagnóstico correto irá garantir o tratamento mais adequado.

Com relação aos direitos, um canal de comunicação entre a SBPT, órgãos públicos e sociedades de pacientes com a ABRAF, fazem mudar o curso de como estes pacientes serão assistidos durante seu tratamento. Certamente isso gera qualidade de vida.

 

Diante de tudo isso, quais os principais desafios para 2023?

Acredito que o grande desafio do futuro seja o de conscientizar tanto a população quanto os médicos sobre a existência desta doença. Depois, tentar mitigar as dificuldades para que o paciente, frente a uma doença com potencial tão devastador, possa ter o melhor tratamento medicamentoso disponível e a melhor equipe para fazer com que esta jornada seja amenizada. A SBPT, com a comissão de interstício, e a ABRAF irão fazer tudo o que estiver ao alcance para superar esses desafios!

 

Que mensagem gostaria de deixar para as pessoas que vivem com fibrose pulmonar no Brasil?

Você não está sozinho! Apesar de ter um caminho difícil à sua frente, há muitas pessoas empenhadas em mudar a situação atual, tanto no cenário médico, como social, jurídico e científico. Se organizem como associação e vamos tentar, juntos, disponibilizar o melhor suporte para atender o maior número de pessoas.