A Hipertensão Arterial Pulmonar pode ocorrer em crianças, mas a incidência é ainda mais difícil de ser confirmada do que…
A Hipertensão Arterial Pulmonar pode ocorrer em crianças, mas a incidência é ainda mais difícil de ser confirmada do que em adultos. Como bebês e crianças não conseguem se queixar verbalmente sobre falta de ar ou dificuldade em realizar atividades físicas, chegar a um diagnóstico é uma tarefa complicada. A falta de ar muitas vezes não é identificada por familiares e cuidadores e a incapacidade de praticar exercícios é confundida com outras doenças como asma, bronquite e até cardiopatias congênitas.
Conversamos com a dra. Flávia Navarro, cardiologista pediátrica, coordenadora do Ambulatório de Hipertensão Pulmonar da Santa Casa de São Paulo e membro do Comitê Científico da Abraf, sobre a hipertensão pulmonar em crianças. Segundo ela, em alguns casos os sintomas se manifestam pela dificuldade de ganho de peso e estatura, pouco apetite, irritabilidade e até complicações de socialização e desempenho escolar.
De forma geral, a hipertensão pulmonar pediátrica acomete 64 crianças a cada milhão por ano no mundo. Segundo a dra. Flávia, o tipo mais frequente de HP Pediátrica é a transitória, que pode estar presente desde o período neonatal sob forma de Hipertensão Pulmonar Persistente do Recém Nascido ou secundária a cardiopatias congênitas operáveis. De forma menos frequente, há a incidência de HAP irreversível, secundária à cardiopatia congênita, idiopática ou hereditária.
A médica esclarece que um grupo importante de pacientes de hipertensão pulmonar na infância são aqueles que têm doenças respiratórias, especialmente do desenvolvimento pulmonar, como displasia broncopulmonar, hérnia diafragmática congênita e anormalidades vasculares pulmonares congênitas.
Por ser uma doença rara, a HAP dificilmente é levada em consideração por pediatras no momento das hipóteses diagnósticas. O ecocardiograma pode indicar uma evidência de Hipertensão Pulmonar, mas assim como nos adultos, o diagnóstico de HAP é feito pelo cateterismo cardíaco direito. E mesmo quando esse exame é feito, Flávia Navarro afirma que em muitos casos faltam dados fundamentais para o diagnóstico, sendo necessário um novo exame. “Aí temos um outro problema: o acesso ao cateterismo cardíaco direito realizado por profissional experiente, com retaguarda de UTI pediátrica caso o paciente apresente instabilidade, e com teste de vasorreatividade pulmonar caso necessário”.
Nos casos de HAP secundária a cardiopatias congênitas, é preciso uma avaliação detalhada para definir se há necessidade de correção cirúrgica. A médica explica, no entanto, que poucos locais no Brasil reúnem condições para realizar essa análise criteriosa, com tantos exames e avaliações aos pacientes pediátricos. Segundo ela, é preciso ser muito criterioso diante dos sintomas e resultados de exames e, em caso de dúvida sobre o diagnóstico ou o tratamento, o paciente deve ser encaminhado ao centro de referência em HP mais próximo.
O tratamento da HAP pediátrica leva em consideração se os casos são de alto ou de baixo risco. Essa estratificação no caso de crianças é baseada em parâmetros clínicos como: evidência de insuficiência cardíaca direita, progressão de sintomas, teste de caminhada de 6 minutos, crescimento, dados ecocardiográficos e parâmetros hemodinâmicos.
Segundo a dra. Flávia, é essencial que o paciente tenha acesso a um centro de referência e que o acompanhamento seja feito de perto, para avaliar a resposta ao tratamento e, se for o caso, reestratificar o risco a cada 3 ou 6 meses, para definição de novas terapias.
A cardiologista explica ainda que a realização de estudos clínicos enfrenta dificuldades nessa faixa etária. E afirma que a medicação com melhor nível de evidência para as crianças é a Bosentana, sendo que a Sildenafila também pode ser usada desde que sejam evitadas doses altas. Outras medicações, como Macitentana e Selexipague estão em estudo.
Informações encontradas na internet são muitas vezes erradas ou não possuem relação com o caso específico da criança. A falta de informações sobre HAP pediátrica não se restringe às famílias e também permeia os profissionais de saúde. “Infelizmente, praticamente todas as famílias que chegam ao Centro de Referência da Santa Casa de São Paulo têm pelo menos uma informação absolutamente equivocada transmitida por um profissional de saúde”, relata Flávia Navarro. Segundo a médica, a desinformação, somada ao susto do diagnóstico de uma doença crônica e potencialmente grave, resulta, muitas vezes, na desestruturação emocional das famílias. Nesse sentido, a segurança de informações e orientações claras sobre as estratégias de tratamento são essenciais para o conforto dos envolvidos. “Acolhimento e honestidade são fundamentais desde a primeira consulta”, reforça.
Informação e orientação são importantes demandas para pacientes e suas famílias, grupos escolares e comunidades. Mas o apoio psicológico para a criança e a família também é fundamental para o tratamento. “Não podemos esquecer que há casos em que esses pacientes necessitam de várias consultas, exames e um cuidado individualizado, de forma que um dos pais – na maioria das vezes a mãe – precisa deixar de trabalhar para se dedicar ao tratamento do filho. Isso pode causar um desarranjo financeiro e social na família. Precisamos de políticas públicas que facilitem a vida dessas famílias”, ressalta a pediatra Flávia Navarro.
HP é uma doença rara e sem visibilidade, portanto informações sobre estudos clínicos também são importantes para acabar com mitos e dúvidas que giram em torno desse tema, ainda mais quando se trata de crianças.