No dia 15 de agosto, ocorreu, na Livraria Martins Fontes da Avenida Paulista, em São Paulo, o lançamento do livro As…
No dia 15 de agosto, ocorreu, na Livraria Martins Fontes da Avenida Paulista, em São Paulo, o lançamento do livro As Doenças e os Medos Sociais. Os ensaios reunidos na obra tratam, sob múltiplos olhares, da história das doenças, dos medos, da discriminação e de sua repercussão no meio social. A organização é da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade Racismo e Discriminação (LEER) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e da pesquisadora Yara Nogueira Monteiro, do LEER e do Instituto de Saúde de São Paulo.
A obra é resultado de um seminário organizado pelo LEER, em 2009. “Diante do sucesso de público, resolvemos desenvolver um projeto dedicado ao tema das doenças e dos medos, procurando incentivar pesquisas em nível de pós-graduação e abrir arquivos ainda desconhecidos ou desvalorizados pelos historiadores”, explica Maria Luiza.
Para a professora Yara Monteiro, “é importante destacar que os estudos envolvendo os medos, os sofrimentos e a exclusão social ligados às doenças já são bastante pesquisados há décadas em países como a França; já no Brasil, é algo mais recente”. Yara ressalta que, apesar da multiplicação dos saberes e dos avanços científicos que permitem, nos dias atuais, a cura de patologias como a hanseníase, ainda persistem no imaginário social certos arquétipos. “Um desses arquétipos é a origem dos males explicada pelo sobrenatural: uma doença que ocorre por punição divina ou sortilégio”, conta. No caso do sortilégio, a pesquisadora cita que, na Idade Média, boatos apontavam que judeus e leprosos espalhavam unguentos contaminados nos bancos das igrejas para contaminar os cristãos. “Muitos desses judeus e leprosos foram queimados nas fogueiras da Inquisição.”
Segundo Yara Monteiro, esses medos vão se transformando ao longo dos séculos e ainda permanecem no imaginário coletivo: numa versão atualizada, há boatos associados à aids, em que agulhas contaminadas com o vírus HIV seriam deixadas em bancos de cinema para contaminar quem senta no lugar; ou ainda a existência de pessoas que morderiam outras para transmitir o vírus causador da aids.
Perigos reais e imaginários
A professora Maria Luiza lembra que “ao longo da história, encontramos perigos reais e imaginários, sendo este, muitas vezes, construído com o objetivo de “criar” um inimigo para explicar o caos, a miséria, a inflação, a peste, o atraso, etc”. Por isso, é importante investigar os pontos de proliferação da “notícia” interessada em apontar um bode expiatório, incluindo-o em uma destas categorias: eleitos e condenados, bons e maus, sábios e tontos, covardes e valentes, desgraçados e afortunados.
“No plano do imaginário, as figuras dos judeus, dos negros e dos ciganos serviram — e ainda servem — como elo entre a realidade e o universo mítico. Basta analisarmos alguns elementos do discurso racista para identificarmos que algumas metáforas foram empregadas para transformar alguns grupos em “seres doentes”, “parasitas”, apresentados como perigosos como o cancro, a peste. Nas décadas de 1930 e 1940, por exemplo, o Estado alemão criou programas de esterilização e de extermínio com o objetivo de ‘limpar’ a sociedade e fortalecer a nação”, aponta Maria Luiza.
Medo como controle e exclusão
De acordo com a professora Maria Luiza, o medo transforma-se em uma forma de controle e exclusão social. Por isso, é preciso avaliar, do ponto de vista histórico e político, o papel da Igreja Católica e do Estado que, “ao longo dos séculos, valeram-se da imagem da peste e do cancro, para apontar os responsáveis pelos males que abalavam e ainda abalam as nações”.
“Nesta direção devemos preservar o patrimônio arquitetônico que herdamos das instituições que, no passado, criaram os leprosários, os hospícios, os asilos, dentre outros “resíduos” das políticas de exclusão e intolerância. Aliás, um ótimo tema que nos instiga a pensar, para 2014, o II Seminário sobre as Doenças e os espaços da exclusão”, finaliza.
Medo como sinônimo de insegurança
O livro está dividido em quatro partes. Como fio condutor de todos os artigos está o medo entendido como sinônimo de insegurança. A primeira parte engloba um conjunto de artigos que analisam o imaginário sobre a doença, com ênfase na temática dos novos e dos velhos medos, assim nas suas formas de representação na Arte.
A segunda parte tem como foco a sociedade brasileira que, desde os tempos coloniais, foi abalada por um conjunto de doenças que serviram para justificar a escravidão, o colonialismo, a violência e o racismo.
A terceira parte reconstitui os focos de difusão dos medos com ênfase no discurso nazista que, por intermédio da imprensa, do cinema, da fotografia, da charge, dentre outras tantas estratégias sedutoras, transformou os judeus em “cancros” sociais, identificados como representantes de uma raça degenerada.
A quarta e última parte oferece uma amplo painel sobre as fontes para os estudos sobre a saúde e a doença, ressaltando a importância da criação de uma rede Brasileira de História e Patrimônio Cultural da Saúde.
Imagem: reprodução
Mais informações: emails malutucci@gmail.com, com a professora Maria Luiza Tucci Carneiro, ouyaramont@uol.com.br, com a pesquisadora Yara Monteiro
Fonte: www.usp.br